Eram os últimos minutos de mais um domingo… com suas vivências especiais… como tantos outros! O telefone tocou… e eu atendi! Do outro lado da linha… alguém… muito confusa e desajeitadamente, sem saber muito bem como dizer, me perguntava: Sabes se é verdade… que o “Rato” morreu? Minha irmã disse-me que a mãe dele o encontrou enforcado, algures, lá na casa!
Perplexa… boquiaberta… e não sei que mais… respondi: Não sei!... Não pode ser!... Ele amava a vida! E logo agora, que estava a tentar endireitar, que o via na Missa com a família, que saía da camioneta com as filhas, que já trabalhava por aí para os amigos... sempre limpo e arrumado… ele nem sequer tinha cara de drogado… não pode ser?!...
A conversa foi pouco prolongada e acabou com a dádiva de um número que serviu para nos confirmar o infausto acontecimento, poucos minutos depois.
Então recordei a Ambulância desesperada e precedida por um carro da Polícia que cruzou connosco no regresso de Santa Maria da Feira.
Tentei reprimir os sentimentos… pois o “Rato”… era o António… para mim uma espécie de “Filho Pródigo” que me procurava algumas vezes e a quem eu protegia como melhor entendia!
Agora… eu não terei mais o António a tocar-me a campainha, às vezes nas horas mais inconvenientes!... Não será mais preciso dizer-lhe palavras de incentivo e confiança… de admoestação e segurança… levá-lo algures… ouvir o marido desesperado porque foi ajudar o António que, afinal, dissera uma coisa e fizera outra!
O António, era assim! Nas boleias… falava dos tempos áureos da sua vida, em que o trabalho o levara ao sucesso e vivia atarefadamente feliz! E prometia, doce e humildemente, melhorar o comportamento.
Recordo os sonhos que levava na sua última ida à Suíça, de onde chegou, na época do frio em que o trabalho da Construção Civil escasseia… com prendas para as filhas e a pensar no regresso àquele País para lá continuar a governar a vida… o que nunca mais aconteceu… não o chamaram… não o aceitaram… nunca se soube porquê... tinham-lhe prometido apoio lá… eu confirmei-o, pessoalmente, em conversa telefónica, através de um número que o António me dispensou!...
É inacreditável a forma como o mundo trata as pessoas… na altura em que mais precisam de apoio! Uma drogada ou drogado… é sempre um “ser humano” que, ao contrário de críticas, merece todo o nosso carinho, respeito e atenção. Se soubéssemos ouvi-los sem criticar, quanto bem lhes poderíamos fazer!... A mãe do António, um dia, entre lágrimas, contou-me a causa da tremenda queda do filho!... As mágoas da vida, incontidas e mal aceites, lançam as pessoas no mais profundo desânimo, e o tentar afogá-las nas drogas, leva à maior das misérias!... Quando vejo essas “misérias humanas” a vaguear pelas ruas… penso logo no que lhes terá acontecido para ficarem assim… e lembro os meus filhos e netos… sobrinhos e sobrinhas… jovens que acalentei na Escola ou Catequese… a quem o mundo pode ferir do mesmo modo.
O coração sangra por todos os lados! Ninguém se afunda ou levanta sozinho!… Conscientes ou não… somos a causa do sucesso ou fracasso de quem connosco convive! Esta é uma realidade que não podemos esquecer!
O António… não mais pisará as ruas da nossa cidade… mas vão continuar a vaguear por ali muitos “Antónios” a quem não podemos ficar indiferentes! Estou certa de que, por eles, haverá sempre algo mais a fazer.
António! Ajudaste-me a crescer! Agora, que podes ver o mundo como ele realmente é, pede ao Senhor que se faça algo para que os teus companheiros de infortúnio encontrem o caminho do bem…e acolhe no teu regaço as orações e lágrimas sentidas que vertemos por ti! Descansa em Paz! Até sempre!
Hermínia Nadais
A Publicar no Notícias de Cambra