sábado, 26 de abril de 2008

Trevas e luz



Nesta enorme “aldeia” onde vivemos, ao lado de inúmeros acontecimentos bons e comportamentos exemplares que a maior parte das vezes são ignorados, desprezados, ultrajados, ultrapassados e esquecidos... ainda há inúmeras situações inaceitáveis.
Fala-se muito em tempo de mudança... eu diria, de controvérsia!
O desenvolvimento humano sempre teve e sempre terá fases positivas e negativas. É certo que tudo nos ajuda a aprender. Mas é horroroso, quem nasceu para a felicidade e crescimento constante nos caminhos da vida... ter de aprender com tanto sofrimento desnecessário.
Há quem fale muito em dinheiro... e quem omita conversar sobre ele. Diz-se que os pobres estão cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos. É apenas uma meia verdade pois refere-se simplesmente ao problema financeiro, e não há dúvidas de que isso é uma realidade. No entanto, se tentarmos ver as coisas dum outro modo, afirmaremos, sem qualquer receio que, de uma maneira quase geral, estamos cada vez mais pobres... pobres daquela riqueza que nem se palpa nem se vê... a verdadeira riqueza que nos faz crescer interiormente como nos convém.
Este tipo de riqueza não se compra com dinheiro, adquire-se num aturado estudo interior que nos leva a fazer das trevas da nossa ignorância luz verdadeira e fecunda.
A falta de conhecimento gera as maiores confusões e leva a que nunca se aceite a verdade tal como ela é por falta de compreensão. A visão que os nossos olhos alcançam engana-nos vezes sem conta.
Quando vejo a degradação em que se encontra o sistema educativo, não obstante o trabalho e bravura de grande parte dos professores, pergunto a mim mesma que caminho estamos a seguir. A ignorância destrói o desenvolvimento harmonioso do indivíduo, e muito mais, nesta época em que a aprendizagem nos entra todos os dias pelas portas dentro.
Mais do que nunca, saibamos escolher o que vemos. Não desprezemos os bons filmes, os documentários, as boas leituras, as meditações, a procura constante de saber quem somos, o que pretendemos, qual será o verdadeiro caminho do sucesso na nossa vida sem interferir no sucesso da vida de quem nos rodeia.
O homem é insatisfeito por natureza. Quando se diz que foi criado para o infinito ou transcendente, parece-nos que para isso tem de sair fora de si... mas não.
Muito pelo contrário! O querer ir mais além é algo que habita constantemente o mais profundo do nosso coração, que está bem dentro de nós. Só na medida em que o homem se reconheça tal como é, com defeitos e qualidades, com fraquezas e forças... estará pronto para procurar algo mais do que ele... que o transcenda! Mas é trabalho a efectuar bem dentro de si... quando confia na capacidade de mudança para uma vida melhor, mais digna e dignificante.
Se aprendermos a olhar-nos interiormente a cada momento da vida, teremos oportunidade de nos sentirmos amparados pela presença constante de algo maior do que nós a guia-nos os passos e a levar-nos à prática das boas obras que nos lançam cada vez mais no caminho da transcendência.
Deixemos as trevas da ignorância para buscarmos constantemente a luz do saber... é a única forma de podermos, realmente, “ser” verdadeiramente homens e mulheres.

Prof. Hermínia Nadais


Publicado in "Notícias Cambra"


terça-feira, 15 de abril de 2008

A FAMÍLIA NA SOCIEDADE

Começo por recordar o triplo enquadramento educacional que qualquer Homem terá de fazer para uma plena realização pessoal: a sua hereditariedade, valores familiares e do meio ambiente circundante.
Depois de abordado o tema da genética e de ser referenciado o enquadramento da família na base dos costumes e tradições de qualquer sociedade, é o momento de pensar nos problemas actuais e angustiantes que a afligem no decorrer dos nossos dias em que atravessa uma das maiores crises de todos os tempos.
A implementação das novas tecnologias e a drástica mudança de condições socio-económicas e culturais levou a uma grande modificação de mentalidades que, lentamente, se tem vindo a efectuar; e as necessidades prementes da vida actual alteraram radicalmente a família tradicional onde o homem e a mulher tinham tarefas específicas e bem definidas. Já vai ficando para trás o tempo em que as mulheres eram apenas esposas submissas e trabalhadoras, boas donas de casa e boas mães enquanto os homens angariavam o sustento da família. A mulher cada vez mais é chamada a trabalhar, ao lado do homem, não só para uma realização pessoal mas também porque, os proventos do seu trabalho além do de "doméstica" são necessários para o equilíbrio orçamental do agregado familiar. No entanto, ainda são muito poucos os homens que compreendem a extenuante e dupla actividade da mulher actual e a ajudam nas lides caseiras e na educação dos filhos de igual para igual. Fazem-no por desleixo, por mero egoísmo ou pelo receio de serem chamados de "maricas", preconceito que ainda persiste e estraga o bom ambiente familiar e social. E é absurdo pensar numa mudança muito rápida e fácil, pois ela está a fazer-se, sim, mas muito lentamente e com sérios problemas de adaptação tanto masculina como feminina. Daí tantos divórcios, uniões de facto, vidas a sós...
E nenhuma pessoa ou família com instabilidade económica, emocional, social, erradicada de prestígio, pode proporcionar aos descendentes os valores imprescindíveis ao desenvolvimento global e harmonioso da cada ser e, consequentemente, à construção de uma sociedade mais compreensiva e justa.
Um casal onde falte o dinheiro para cobrir as despesas essenciais à subsistência passa a fazer da resolução dessa questão o fim primordial da sua vida; se há instabilidade afectiva, a luta pela compreensão, carinho e atenção a que cada um tem direito absorve toda a sua razão de viver e todas as forças e estratégias possíveis são postas em prática para que seja recuperado o sossego, o amor e a paz familiar; e o que não é bem aceite pela sociedade acaba por fazer todos os esforços a fim de apresentar uma mudança significativa do seu comportamento ou estrato social no sentido de modificar a opinião pública a seu respeito.
É humano que isto aconteça. Mas, como podem dedicar-se ao aperfeiçoamento moral e observação de valores éticos, membros de famílias que tentam sobreviver com tantas carências económicas, afectivas e sociais?!...
Ninguém pode dar o que não tem. Como podem tantos pais dar uma vida agradável aos filhos se vivem envoltos num mar de amargura e incompreensão? Como podemos pedir valores morais a estômagos vazios, a braços cansados e a cabeças prestes a estoirar pela procura da resolução de tantos problemas?
Para uma pessoa se reconhecer tal qual é, assumir os seus defeitos e lutar contra eles, reconhecer e desenvolver as suas qualidades, necessita, antes de mais, ter condições razoáveis de vida. Então, sim, poderá tentar ter uma vida interior intensa e activa: muita coragem, força de vontade e auto domínio. Isto só poderá conseguir-se com um sólido ambiente familiar onde reine a harmonia, a compreensão e aceitação mútua, e se faça uma auto e hétero-reflexão frequente evidenciando as características inatas ou adquiridas de cada um para que cada qual possa crescer em amor, solidariedade, espírito crítico e verdade.

Hermínia Nadais
Publicada no Notícias de Cambra

terça-feira, 8 de abril de 2008

A Globalização


Ao pensar um pouco mais profundamente nas necessidades vitais do Homem, surge-nos a cultura e a transcendência. Se há anos me emparelhassem estas duas palavras, consideraria aberração. Hoje, sinto-o uma necessidade. Elas têm de ser assumidas, impreterivelmente, como parte integrante da vida humana.
Quando começaram a aumentar os anos de escolaridade, surgiram reacções diferentes: uns diziam que as crianças e jovens, agarrados aos livros, perdiam a infância e juventude... outros, gritavam com desespero porque, deste modo, deixariam de ser ajudados no sustento da família... tarefa que os pais aceitam nos tempos que correm, mas que era por eles incomportável num passado ainda recente.
O rodar do tempo foi mudando a forma de viver e encarar a vida. A bem de um bom crescimento harmonioso do Homem, já se vai reconhecendo que aprender é uma necessidade imperiosa... (necessidade que o sistema educativo vigente não satisfaz por não se adequar a todas os requisitos de realização pessoal e profissional das “pessoas concretas” a que chamamos população).
Todavia, a implementação dos Meios de Transporte e Comunicações, ao lado do aparecimento e projecção da Informática, desenvolveu, de forma irreversível e inigualável, a Comunicação Social, e fez com que, aos poucos, fosse eclodindo uma enormíssima interacção entre os povos, a “Globalização”.
Este fenómeno incomparável alterou definitivamente a situação socio-económica e cultural das populações, pois transformou cada povoação numa ínfima parte da enorme aldeia global onde habitamos - o planeta Terra – que vai sobrevivendo tremendamente devastado por uma onda gigante de egoísmo e superioridade, onde as pessoas cada vez se entre ajudam e conhecem menos e onde a privacidade é cada vez mais posta à prova, das formas mais divergentes, tantas vezes horrorosamente repletas de negatividade.
Actualmente... quase não precisamos de sair à busca do mundo, porque ele nos penetra as habitações pelos microscópicos orifícios das paredes e telhados, das portas e janelas... para viver connosco, discreta ou descaradamente... nos écrans e monitores.
Isso é um bem que nos leva a ter outras perspectivas de vida... a saber inúmeras coisas que outrora nunca havíamos sonhado existir... a usufruir de formas de ensino/aprendizagem nunca pensadas ou descritas. Podemos conhecer os modos de vida de povos sem fim... os seus hábitos mais rudimentares ou avançados... os seus sonhos e ambições... a maravilha do seu meio ambiente natural.
Todavia, precisamos ser muito diligentes e cuidadosos com tudo quanto nos envolve para não sermos arrastados para comportamentos indesejados. O facto do ser humano ter uma grande capacidade de adaptação é muito salutar; mas a tendência natural de ser um “imitador” nato, tipo papagaio, pode levá-lo a sair dos hábitos, costumes e tradições da terra onde nasceu, cresceu e viveu ou vive, o que, se não for bem orientado, pode ser-lhe muito prejudicial.
Temos consciência de que a vida humana não pode depender somente de tradições... mas não podemos negar o facto de que elas existem, protegem, projectam... ou mesmo condicionam as vidas.
O fenómeno abrangente da globalização tem que ser profundamente estudado e reconhecido para se poder tirar dele tudo quanto de bom trouxer de outras paragens, mas sem por em causa os bons costumes enraizados na vida de cada povo, tribo ou nação.
A Globalização é uma realidade que tem de ser dignificada através do aprofundamento estruturado de uma cultura específica e geral cada vez mais abrangente e cuidada, como fundamento de uma vida mais aberta ao bom acolhimento, compreensão e aceitação da comunidade restrita ou alargada em que estivermos inseridos, para que, em nós e nos outros, possamos distinguir cada vez com mais eficiência o bom do mau, o útil do inútil, o razoável do cauteloso, o certo do errado... possibilidade de maior certeza do que devemos ou não devemos fazer.
O desenvolvimento humano está muito longe das verdadeiras capacidades de cada homem e de cada mulher! Não tenhamos medo de aprender... pois só com um conhecimento mais exacto de tudo quanto é capaz, a Humanidade pode desejar algo disposto a superar as suas impossibilidades... que a transcenda... que esteja acima de si mesma!
Eu... continuarei à procura! Deixo à disposição o desafio do encontro.
Feliz tempo Pascal!

Prof. Hermínia Nadais
Publicado no Jornal Notícias de Cambra

sexta-feira, 4 de abril de 2008

FAMÍLIA E SOCIEDADE


Para muitos de nós é sobejamente reconhecido que uma pessoa, para o ser em plenitude, com força de vontade e auto domínio, necessita de uma boa integração familiar e social.
"Família" e "sociedade", são dois conceitos distintos e complementares, mas de certo modo iguais e mutuamente dependentes.
Quando falamos de família queremos referir-nos expressamente à chamada família nuclear, isto é, o casal e seus descendentes. De facto, é essa a primeira comunidade social de um recém nascido, de uma pessoa. Segue-se-lhe a família alargada, ou seja, a comunidade formada pelo conjunto das várias famílias nucleares incluídas na árvore genealógica de que essa família nuclear faz parte. Muitas famílias formam uma aldeia, vila cidade... e há freguesias, concelhos, nação, nações... sociedades cada vez mais alargadas e dos mais divergentes hábitos, costumes, tradições... E, dentro dessas comunidades gerais, surgem muitas outras para a realização de cada um segundo as necessidades ou gosto pessoal: escolas, associações culturais, desportivas, religiosas, de caridade e assistência... E é um nunca mais acabar de instituições e associações da carácter social, colectividades que têm por fim a protecção, o desenvolvimento e a realização pessoal do indivíduo. À semelhança da família, cuja representação e gerência é efectuada pelo casal que a constituiu, as instituições também têm órgãos representativos e de gestão: numas esses órgãos, tal como nas famílias, são as próprias pessoas que as imaginaram e puseram a funcionar; noutras, é feita a escolha obedecendo a leis previamente estabelecidas.
Todas as instituições têm estatutos, regras de convivência social, são geridas e representadas por alguém. A família, a primeira de todas as instituições na nossa vida, tem leis de orientação e protecção bem definidas. Diferente de qualquer outra onde o elo de ligação dos associados pode apresentar múltiplos interesses, o conceito de família está assente no amor mútuo e ligado aos laços de sangue, à continuação da vida. Nenhuma outra instituição tem fim tão sublime, mas também nenhuma tem tanta responsabilidade na sociedade onde está inserida. Em qualquer outra instituição, entra quem quer ou necessita; na família, não é assim. A constituição de família, o viver em família, partilhar com alguém os desejos e ambições, faz parte de cada um de nós, é inato. È por esta necessidade de convívio e partilha de vida que há tantas famílias resultantes de ligações pouco aceites e menos habituais. Somos seres sociais, não fomos criados para viver sós. No entanto, numa família normal que é constituída livremente por duas pessoas complementares entre si, ligadas por amor, de cujo fruto nascem os filhos!... Filhos que não pedem para nascer... não têm culpa de nascer... mas, uma vez aparecidos, têm direito à vida, a uma vida digna, com amparo, protecção e orientação adequada.
Fala-se muito da protecção à família, mas quanto mais se fala em protecção, mais problemas familiares atingem a sociedade em geral. E o processo educativo das nossas crianças e jovens sofre as graves consequências dos problemas angustiantes dos pais. O caso é muito grave, gravíssimo mesmo. É caso para muita reflexão. Estou certa de que, se houvesse tempo e predisposição para pensar... muito ficaria diferente.
Queridos pais, aflitos com tantos problemas: Vamos parar um pouco para olhar profundamente as drásticas alterações da participação do homem e da mulher na vida familiar e social com as implicações que daí resultam; ver o que há de bom e mau; e, finalmente, tentar interiorizar e viver o que acharmos melhor para a felicidade de cada um de nós que será, sem dúvida, a felicidade de nós todos.

Hermínia Nadais
Publicada no Notícias de Cambra

terça-feira, 1 de abril de 2008

Deslumbramento!



Para mim a vida foi sempre uma escola magnífica. E ainda hoje continuo a pensar que é no palco da vida que reside a maior e melhor de todas as escolas, porque liberta de teorias ocas e impregnada das práticas mais abrangentes. Aprende-se a fazer, fazendo... e aprende-se a viver, vivendo. Por mais que alguém se esforce por nos ensinar a viver, os resultados serão sempre pouco vantajosos. Não é possível acreditarmos plenamente na informação obtida, nos conselhos escutados, nos exemplos que nos entrarem por todos os poros do corpo e do espírito. Acabámos por desencadear em nós um sem número de experiências que nos levam a aprender, acima de tudo, com as nossas tentativas e os nossos erros. Consciente ou inconscientemente, aproveitando ou não as lições diárias da vida, cada um de nós será um autodidacta permanente.
Ao longo da vida, na maior ou menor inquietude, vaguearemos por um qualquer espaço sentindo que o rodar do tempo nos projectará cada vez mais para um incomensurável desconhecido. Nada nem ninguém conseguirá fugir desta realidade que, por ser tão profunda, acabará por ser inatingível a uma grande parte da humanidade. Quer acreditemos ou não, somos os principais agentes da nossa própria educação e do enraizamento da nossa estrutura socioeconómica e espiritual.
A vida poderá ser considerada assim como uma bicicleta, um automóvel, um autocarro, um barco ou um avião que, conforme a dificuldade inerente ao tipo de veículo que formos, teremos de saber conduzir... mas que tantas vezes não conseguimos aprender!...
A estrada por onde enveredamos no decorrer da nossa vida quase sempre se nos apresenta como caminhos sinuosos e cheios de lacunas. Na vida temos apenas duas certezas absolutas: que um dia nascemos... e que um dia morreremos.
Nascemos sem qualquer pedido ou escolha da nossa parte; irremediavelmente começamos a crescer; lentamente, vamos descobrindo o porquê... e continuaremos à descoberta de todo o para quê da nossa vida.
Quanta fé e trabalhos, lágrimas e torturas, esperanças e sonhos desfeitos, desilusões e aflições, amarguras e cansaços, atropelos e desembaraços... quantas vezes com o coração despedaçado e a cabeça desfeita da busca constante de um caminho que teima em se esconder!...
Olhando-nos na suavidade atenta do nosso nada, verificamos que somos corpo e espírito únicos e irrepetíveis, mas antagónicos nas necessidades, nos gostos, nas escolhas, nos desejos, nas maneiras de ser e formas de estar. O corpo, cartão de visitas pessoal, é tentado a exibir toda a beleza, esmero, aparato e presunção; o espírito, suporte de todas as acções individuais e colectivas, na obscuridade da sua essência, tenderá a ficar quase sempre sujeito às maiores carências afectivas e efectivas... sem os cuidados necessários para poder ter sempre a coragem de levar à prática de palavras meigas, de compreensão e entrega mútua, da solidariedade e do amor fraterno, da descoberta do transcendente para que todos fomos criados.
Só com muita dádiva e empenhamento as acções do espírito poderão dominar verdadeiramente o corpo tornando o todo que o Homem é igual a si mesmo... porque imbuído do sonhado deslumbramento que de outra forma nunca poderá alcançar... fascinação difícil de atingir, pois sendo apanágio do SER HUMANO, transcende o homem.

Hermínia Nadais
Publicada no “Notícias de Cambra”

O bailado das nuvens!




O tempo da Quaresma é especial para remodelarmos a nossa caminhada e ensinar-nos que na melodia do tempo se dançam as realidades da vida na mais densa escuridão ou na mais brilhante claridade.
Na valsa das trevas magoamos o peito, o coração baralha o seu ritmo, os pés não sabem por onde seguir e as mãos flutuam no espaço tentando encontrar onde prender os dedos. Quando tudo parece perdido surge uma luz ténue na estrada a percorrer... e, então, sentimo-nos mais libertos, seguros, despertos e atentos a quanto nos rodeia e mais flexíveis no baloiçar dos gestos e no balbuciar das palavras. Descobrimos que é nessa valsa da noite que desvendamos o fascínio dos bailes da vida, diurnos ou nocturnos, mas que sempre farão de nós estrelas... maiores ou menores, mais ou menos fascinantes.
Claro que, se vamos comparar-nos a estrelas... é natural que queiramos brilhar!
Mas, é urgente e necessário analisarmo-nos profunda e friamente e tentar ver dos outros tudo quanto nos for dado observar... para podermos verificar que a nossa importância não provém do tipo de estrela que somos mas sim do conseguir entrar na dança das estrelas com o nosso verdadeiro tamanho e condição... porque é sempre belo o brilho de qualquer estrela.
Uma destas noites, no meu quarto, depois de ter apagado a luz, abri os olhos. E ao contrário do escuro cerrado habitual eu vi, com as formas e tamanhos mais divergentes, um maravilhoso bailado de nuvens brancas, graciosas e leves que se deslocavam suavemente no espaço com tal delicadeza e brandura que fiquei estupefacta e a pensar se não estaria a passar para uma outra dimensão da vida... pois a visão transcendia o meu pensamento e levava-me ao inimaginável e irreconhecível a mentes humanas. E quanto mais fixava o meu olhar naquele panorama de sonho... mais rápidos, velozes e felizes se movimentavam aqueles seres tanto belos como estranhos! A dada altura, de entre eles, reconheci, numa nuvem bem maior, um “ROSTO” maravilhoso que logo desapareceu entre toda aquela esplendorosa movimentação alada... sem asas.
Diante daquele panorama que me confundia a verdade dos factos com a ilusão dos sentidos, cansada da aspereza do dia e do adiantado da noite, a sós comigo mesma, sentei-me nos muros da minha imaginação!... Olhei o preto e o verde dos meus campos e montes, as variadíssimas nuvens que sulcam o azul do meu céu, as ásperas ou escorregadias pedras da calçada onde me movo!...
Na análise exaustiva destes momentos tão fascinantes acho que tudo se foi clarificando! Bonitos ou não, sábios ou menos inteligentes, grandes ou pequenos... fazemos parte do enormíssimo conjunto dos filhos da LUZ... criados para a felicidade que ali ressaltava de igual forma em todas aquelas nuvens dançantes.
Que nunca queiramos parecer maiores do que aquilo que somos... e que esta Quaresma nos proporcione a graça de descobrirmos qual o nosso lugar na calçada da vida... para que possamos vir a ser bem integrados no bailado das nuvens brancas!

Hermínia Nadais
Publicada no Jornal “Notícias de Cambra”